E se foi à infância, diz o poeta. A se afastar de mim, complementa. Mas ficaram o olhar distante e
saudoso de todas as consequências e marcas por ela deixada. Ficaram a utopia e a
distopia de uma fase da vida. Utopia, pois inevitavelmente lembramos das coisas
boas de nosso passado, daquilo que era e não será mais. Lembramos até das
tristezas com a positividade do amadurecimento, com a frivolidade do já saber o que é que deu. Festejamos os sucessos
e buscamos encontrar lógica no bem que temos, com o bem que colhemos, embora
sejam analogias muito mais metafísicas, talvez hermenêuticas, do que
científicas.
E a distopia da infância merece
um parágrafo próprio. Porque junto do pensamento positivo e utópico da infância
que era e já foi, sabemos, no fundo, que a infância quando não vinda é uma
agressão aos padrões camonianos. A infância, quando mal vinda, é um mar de
antíteses, é o distanciamento do ideal perfeito que choca por ser real e
possível. A infância, quando mal vivida, torna-se atópica pela violência de sua
expressão. A infância, que existe, não é assumida no mundo como uma
má-infância, mas como um pulo prematuro para a fase adulta. Ocultamos a criança
mal-vivida. Ocultamos a criança mal-nascida. A preconcebemos adulta no ventre
do pai barroco. No ventre do pai anti-renascentista, anti-classicista, que sem
opções, agarra a opção que tem.
A criança que trabalha, cuida da
casa, busca opções para sua sobrevivência devido à falta de assistência social,
não deixa de ser criança, não deixa de pensar e agir como criança. A criança
que corre e age como adulto, que se define adulto por cargo imposto, quando
cresce, porque essa criança também cresce, não deixa de ser utópica, sonhar, buscar
melhorias nas escolhas que tem disponível para si. E falemos dos sonhos, porque
ser criança é sonhar... e foi a partir dessa antítese, infância utópica e
infância distópica, que consegui aproveitar cada verso das poesias de Airton
Souza, em Infância Retorcida. Muito
mais que um livro íntimo e pessoal, a poesia cresce nas releituras de seu texto
e da nossa vida e da vida dos nossos outros.
E se foi à infância
a
se afastar de mim
sem olhar minha face
em fases, pedaços.
Rumou quebrando-me, retalhando
Memórias que ficaram,
Fincaram, na (re) invenção
De cheiros que não a deixa morrer.
AIRTON SOUZA publicou os seguintes livros: Incultações
noturnas (2009), O cair das horas (2011), Habitação provisória (2012) e rua
displicente (2012). Atualmente é professor na Escola Municipal Irmã Theodora,
localizada no bairro Liberdade, em Marabá e Membro Perpétuo da ALSSP – Academia
de Letras do Sul e Sudeste Parense, com sede em Marabá, sendo eleito por
unanimidade para ocupar a cadeira nº 15, tendo como patrono o poeta paraense
Max Martins. Pertence ainda a ALG – Academia de Letras de Goiás, como Acadêmico
Correspondente – AlaF – Academia de Letras e Artes de Fortaleza, como Acadêmico
Correspondente e Membro da organização chilena Poetas Del Mundo. O autor é
também membro do CNPC – Conselho Nacional de Políticas Públicas Culturais, para
o Livro, Leitura e Literatura, do MINC – Mininstério da Cultura.