O nome do Leprechaun era Brand. Tinha uma bebida com
esse nome, mas eu nunca tomei. Ele não gostava do batismo que eu lhe dera,
quando sairamos do PUB. O chamei duas vezes de leprechaun, amigo anão,
gnominho, e ele fora se emudecendo, ficando cada vez mais monossilábico até me
dirigir um silvo de ódio acumulado:
- Meu nome é Brand! Presta atenção! Só vou falar uma
vez! Meu nome não é leprechaun, não é Tumores, não é Duendes, não é Gnomos, não é leprechauns, nada disso! Você
acredita mesmo que alguém se chama Amigo Anão? Essas coisas são rótulos que
classificam minha espécie. Eu sou Brand. Brand, o irlandês.
- Desculpe. Eu pensei que...
- Convenhamos que você não é lá muito bom com
pensamento.
- E... Espera um poquinho, o irlandês não é uma
classificação? Então, eu posso te chamar de Brand, o gnomo?
- Tente repetir isto e eu extraio todos os dentes que
você tem na boca a sapatadas. Resto de nada!
Dirigi cerca de duas horas com Brand me injuriando a
respeito de como chamar as pessoas e como sua espécie era reduzida a simples
classificações. Insisti que aquilo era normal. Era a primeira impressão que se
tinha de um povo, de uma cultura. Expliquei-lhe que como jornalista, nossa
função era especular pelo estereótipo, para depois formar um conceito. Era
olhar para o todo, entendê-lo a primeira vista e depois compreender as partes.
Se tivéssemos tempo para isso, claro, mas isso eu não revelei a ele.
Era mais comum que nunca desse tempo para nos
aprofundarmos o suficiente em algum caso ou tema. Eu fui descobrir The Killers
muito tempo depois de falar bem de dois álbuns lançados. Achei bom, não achei
MUITO BOM, como minha coluna o classificava, mas assim era a vida. Somos
metamorfoseados pela pressa do ganho capital, que reflete até nas nossas
escolhas culturais. Muita gente não assiste filme indiano, porque correr o
risco de passar nove horas em frente a uma televisão é correr o risco de perder
nove horas de vida. Ninguém tem tempo a perder, embora a vida dessas pessoas
seja uma grande perda de tempo para mim. Eu gosto muito de filme indiano.
- O motivo de minha espécie ser reduzida a gnominhos de
chapeus verdes, fazendo mágicas e milagres por ai, são seus malditos jornais!
E ele tinha muita razão, mas não eram todos os
jornalistas que tinham essa postura de estereotipar as pessoas.
- Cita-me um que comprove essa sua tese.
Eu pensei muito e preferi ficar quieto. Tinha a desculpa
da massificação da notícia. Éramos obrigados a falar de muita coisa, muito
rápido. O que ele queria, afinal? Aquele Leprechaun idiota tinha que fazer por
ele. Sempre ofuscado em contos infantis, jamais lhe dariam o crédito desejado.
- Então, agora a culpa é nossa? Camarada, eu nunca vi
uma fadinha na minha frente. Sabe como somos conhecidos, na boca do povo?
- Não.
- Sapateiro das fadas. Isso mesmo! Sapateiro das fadas.
Você já viu alguma porra de fada usar sapatos?
- Não.
- E aí, você acha justo? Esse diabo de estereótipo
surgiu graças àquele condenado do Victorio XIII, que ficou com dó de um
escritor bêbado e vagabundo e lhe soprou essas histórias no ouvido. Ninguém
nunca se deu o trabalho de ver se estas histórias eram verdadeiras. Acreditaram
e reproduziram! Graças a vocês!
- Perae! Não existia jornalista nessa época!
- Mas existiam esses malditos poetas. Malditos poetas
apaixonados!
- O que era a paixão naquela época?
- Era você torrar todas as suas esperanças na porcaria
de um ideal. Não há um ser, que não seja o humano, que não se sensibiliza com a
causa de um maluco apaixonado. Apaixonados, normalmente, perdem tudo até chegar
no nada!
- Você conheceu muitas pessoas apaixonadas?
- Muitas. Elas são os seres mais insuportáveis desse
mundo!
Chegamos numa casa assobradada e eu não fazia a menor
ideia de onde estava. Sabia ser São Paulo, pois só percorremos bairros. Ele
acionou o portão automático que deu acesso a uma garagem. Lá dentro, cerca de
dez carros e uma vaga livre onde estacionei o meu.
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