domingo, 7 de julho de 2013

08 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

O nome do Leprechaun era Brand. Tinha uma bebida com esse nome, mas eu nunca tomei. Ele não gostava do batismo que eu lhe dera, quando sairamos do PUB. O chamei duas vezes de leprechaun, amigo anão, gnominho, e ele fora se emudecendo, ficando cada vez mais monossilábico até me dirigir um silvo de ódio acumulado:

- Meu nome é Brand! Presta atenção! Só vou falar uma vez! Meu nome não é leprechaun, não é Tumores, não é Duendes, não é  Gnomos, não é leprechauns, nada disso! Você acredita mesmo que alguém se chama Amigo Anão? Essas coisas são rótulos que classificam minha espécie. Eu sou Brand. Brand, o irlandês.

- Desculpe. Eu pensei que...

- Convenhamos que você não é lá muito bom com pensamento.

- E... Espera um poquinho, o irlandês não é uma classificação? Então, eu posso te chamar de Brand, o gnomo?

- Tente repetir isto e eu extraio todos os dentes que você tem na boca a sapatadas. Resto de nada!

Dirigi cerca de duas horas com Brand me injuriando a respeito de como chamar as pessoas e como sua espécie era reduzida a simples classificações. Insisti que aquilo era normal. Era a primeira impressão que se tinha de um povo, de uma cultura. Expliquei-lhe que como jornalista, nossa função era especular pelo estereótipo, para depois formar um conceito. Era olhar para o todo, entendê-lo a primeira vista e depois compreender as partes. Se tivéssemos tempo para isso, claro, mas isso eu não revelei a ele.

Era mais comum que nunca desse tempo para nos aprofundarmos o suficiente em algum caso ou tema. Eu fui descobrir The Killers muito tempo depois de falar bem de dois álbuns lançados. Achei bom, não achei MUITO BOM, como minha coluna o classificava, mas assim era a vida. Somos metamorfoseados pela pressa do ganho capital, que reflete até nas nossas escolhas culturais. Muita gente não assiste filme indiano, porque correr o risco de passar nove horas em frente a uma televisão é correr o risco de perder nove horas de vida. Ninguém tem tempo a perder, embora a vida dessas pessoas seja uma grande perda de tempo para mim. Eu gosto muito de filme indiano.

- O motivo de minha espécie ser reduzida a gnominhos de chapeus verdes, fazendo mágicas e milagres por ai, são seus malditos jornais!

E ele tinha muita razão, mas não eram todos os jornalistas que tinham essa postura de estereotipar as pessoas.

- Cita-me um que comprove essa sua tese.

Eu pensei muito e preferi ficar quieto. Tinha a desculpa da massificação da notícia. Éramos obrigados a falar de muita coisa, muito rápido. O que ele queria, afinal? Aquele Leprechaun idiota tinha que fazer por ele. Sempre ofuscado em contos infantis, jamais lhe dariam o crédito desejado.

- Então, agora a culpa é nossa? Camarada, eu nunca vi uma fadinha na minha frente. Sabe como somos conhecidos, na boca do povo?

- Não.

- Sapateiro das fadas. Isso mesmo! Sapateiro das fadas. Você já viu alguma porra de fada usar sapatos?

- Não.

- E aí, você acha justo? Esse diabo de estereótipo surgiu graças àquele condenado do Victorio XIII, que ficou com dó de um escritor bêbado e vagabundo e lhe soprou essas histórias no ouvido. Ninguém nunca se deu o trabalho de ver se estas histórias eram verdadeiras. Acreditaram e reproduziram! Graças a vocês!

- Perae! Não existia jornalista nessa época!

- Mas existiam esses malditos poetas. Malditos poetas apaixonados!

- O que era a paixão naquela época?

- Era você torrar todas as suas esperanças na porcaria de um ideal. Não há um ser, que não seja o humano, que não se sensibiliza com a causa de um maluco apaixonado. Apaixonados, normalmente, perdem tudo até chegar no nada!

- Você conheceu muitas pessoas apaixonadas?

- Muitas. Elas são os seres mais insuportáveis desse mundo!


Chegamos numa casa assobradada e eu não fazia a menor ideia de onde estava. Sabia ser São Paulo, pois só percorremos bairros. Ele acionou o portão automático que deu acesso a uma garagem. Lá dentro, cerca de dez carros e uma vaga livre onde estacionei o meu.


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