segunda-feira, 22 de julho de 2013

A UM ALÉM QUE ESTEVE, HÁ POUCO, AQUI... A MANEIRA INCOMPLETA DE DESPEDIR-SE COMPLETAMENTE.

Uma despedida. Como prepara-se para uma despedida repentina? Como organizar-se, objetiva e emocionalmente, para um adeus? Como despedir-se de alguém ou algo sem deixar para trás o que não foi? Como recuperar, na despedida, o não feito? Como compreender que somos carne, osso e incoerências? Como não valer-se da lágrima para justificar alguma ausência? E como despedir-se? Como ilustrar bem feito o adeus que merece, de direito, o despedido? E se esse adeus, repentino e rápido, dilacerador, mesmo quando aguardado, não dura os dias, suficientes para um bom planejamento? O beijo, o abraço, o corpo debruçado sobre o corpo despedido, são suficientes para um adeus compreensível? Qual o segredo da boa despedida? Basta dizer, adeus, te amo, queria que não fosse, poderia ter sido diferente, a culpa foi minha, a culpa foi tua? O culpado, afinal, é a gente? Se para despedir, assim repentinamente, eu tenho tanto dolo e tanta pena, pergunto pra que a vida? Será ela, o ensaiar da despedida? E se a vida é assim, projeção do que é fim, o que fazemos dela, o que fazemos, enfim? Será a vida, preparativo da despedida? A sorte de escolher as estratégias certas para um adeus perfeito? E a ausência de vida? Será que existe a presença, ainda infinda, do presente sorriso de vida? Pedir ombro, quando não se tem mais ombro, é saber despedir-se, enfim, da vida?


domingo, 14 de julho de 2013

09 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

Brand entrou na frente, pela porta principal. Quando abriu, uma cortina de fumaça me cegou e só consiguia escutar homens repetindo versos em um idioma desconhecido. Reconheci, pouco a pouco, que o que eles falavam ia tomando a forma da língua portuguesa e os versos se repetiam, como um mantra ou uma oração e eu passei a ouvi-los tentando decorá-los.


Sentimentos em mim do asperamente
dos homens das primeiras eras...
As primaveras do sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!

Eu olhei para Brand e ele me olhou, carrancudo:

- O trovador, de Mário de Andrade.

Sabia já ter ouvido aqueles versos em algum lugar. Mas soavam diferentes. Eram estridentes no ouvido e estouravam em meu cérebro. Senti meus ouvidos sangrarem e, ao passar a mão próximo de minhas orelhas, meus dedos estavam úmidos de sangue. O som daquele idioma ferira meus tímpanos pela falta de costume em apreciar bons poemas?

Sou um tupi tangendo um alaúde

E eu não conseguia entender lógica naquilo tudo. Conforme a fumaça diminuia, fui percebendo que a sala de estar estava enfeitada com inúmeros quadros de pinturas históricas, algumas esculturas e livros abertos em exposição. As pessoas se reuniam no centro e nas bordas ficavam os materiais de exposição. Percebi que eram obras de datas distintas, todas misturadas, tendo um Picasso ao lado de um Da Vinci. Contudo, existia uma simetria, ou lógica na organização das obras que eu não conseguia identificar.

Sou um tupi tangendo um alaúde

Fiquei durante alguns segundos hipnotizado com a quantidade de esculturas e quadros que enfeitavam a sala. A arquitetura da sala também era curiosa, pois parecia gótico-medieval, com o pé direito alto que oprimia o homem o tratando como uma mera formiga dentro de um arranhacéu maior do que  o ser humano. Divinamente superior a todos que ali estavam. A própria casa nos engolia com seu pé direito enorme. Sentia-me chutado. Em meio às pessoas que repetiam o mantra, surge um homem negro, de bermuda vermelha, sem uma das pernas, sorrindo em minha direção. Pensei em saudá-lo saci, mas lembrei de minha conversa com Brand e sorri reciprocamente.

- Olá...
- Brand. Roberto. Esperávamos vocês.

Brand o saudou e deixou-me para trás, andando em direção às pessoas da sala.

- Ele é sempre tão...
- Você o chamou de Leprechaun?
- Como não chamar?

Sorrimos.

- Desculpe ir direto ao ponto, mas quem são vocês?
- Nós? Somos parte de sua história. Também somos caçadores da saudade. Todos temos um motivo para sauda-la. Eu, no caso, sinto falta de minha floresta, meu cachimbo, meu gorro vermelho e minha juventude. Sou simplesmente um saci urbano.

- Eu... Fiquei com medo de chamá-lo saci, depois de conhecer Brand.

- Sei como é. O Brand cumpriu seu papel. Bem, ele é o guardião de um tesouro. Quando alguém aprisiona Brand, ele precisa lhe conceder um tesouro. Lhe apresentou para nós, o tesouro intelectual de toda essa região.

- Todo tesouro intelectual está nessa sala?

- Não. Jamais! Nós somos a base para que você entenda o tesouro intelectual de toda essa região.

- Certo.

- Mas você não veio aqui a trabalho.

- Não. Eu busco, na verdade, achar um caminho de felicidade e parece que a Saudade tinha a resposta e eu desperdicei a chance de consegui-la. Queria encontrá-la novamente. Conversar, anotar todas as suas palavras...

- Você é jornalista. Porque não inventa sua felicidade?

- Não sei. As coisas não são tão simples assim. Eu acho que necessito de algo real dessa vez.

- Entendo. Você acredita que o real existe?

- Oras.. É cla... Não sei.


- Ao invés de me chamar de saci, me chame de Matinta. Venha, vou lhe apresentar ao meu amigo Curupira. Ele vai te apresentar a casa e te guiar para seja lá onde for.


domingo, 7 de julho de 2013

08 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

O nome do Leprechaun era Brand. Tinha uma bebida com esse nome, mas eu nunca tomei. Ele não gostava do batismo que eu lhe dera, quando sairamos do PUB. O chamei duas vezes de leprechaun, amigo anão, gnominho, e ele fora se emudecendo, ficando cada vez mais monossilábico até me dirigir um silvo de ódio acumulado:

- Meu nome é Brand! Presta atenção! Só vou falar uma vez! Meu nome não é leprechaun, não é Tumores, não é Duendes, não é  Gnomos, não é leprechauns, nada disso! Você acredita mesmo que alguém se chama Amigo Anão? Essas coisas são rótulos que classificam minha espécie. Eu sou Brand. Brand, o irlandês.

- Desculpe. Eu pensei que...

- Convenhamos que você não é lá muito bom com pensamento.

- E... Espera um poquinho, o irlandês não é uma classificação? Então, eu posso te chamar de Brand, o gnomo?

- Tente repetir isto e eu extraio todos os dentes que você tem na boca a sapatadas. Resto de nada!

Dirigi cerca de duas horas com Brand me injuriando a respeito de como chamar as pessoas e como sua espécie era reduzida a simples classificações. Insisti que aquilo era normal. Era a primeira impressão que se tinha de um povo, de uma cultura. Expliquei-lhe que como jornalista, nossa função era especular pelo estereótipo, para depois formar um conceito. Era olhar para o todo, entendê-lo a primeira vista e depois compreender as partes. Se tivéssemos tempo para isso, claro, mas isso eu não revelei a ele.

Era mais comum que nunca desse tempo para nos aprofundarmos o suficiente em algum caso ou tema. Eu fui descobrir The Killers muito tempo depois de falar bem de dois álbuns lançados. Achei bom, não achei MUITO BOM, como minha coluna o classificava, mas assim era a vida. Somos metamorfoseados pela pressa do ganho capital, que reflete até nas nossas escolhas culturais. Muita gente não assiste filme indiano, porque correr o risco de passar nove horas em frente a uma televisão é correr o risco de perder nove horas de vida. Ninguém tem tempo a perder, embora a vida dessas pessoas seja uma grande perda de tempo para mim. Eu gosto muito de filme indiano.

- O motivo de minha espécie ser reduzida a gnominhos de chapeus verdes, fazendo mágicas e milagres por ai, são seus malditos jornais!

E ele tinha muita razão, mas não eram todos os jornalistas que tinham essa postura de estereotipar as pessoas.

- Cita-me um que comprove essa sua tese.

Eu pensei muito e preferi ficar quieto. Tinha a desculpa da massificação da notícia. Éramos obrigados a falar de muita coisa, muito rápido. O que ele queria, afinal? Aquele Leprechaun idiota tinha que fazer por ele. Sempre ofuscado em contos infantis, jamais lhe dariam o crédito desejado.

- Então, agora a culpa é nossa? Camarada, eu nunca vi uma fadinha na minha frente. Sabe como somos conhecidos, na boca do povo?

- Não.

- Sapateiro das fadas. Isso mesmo! Sapateiro das fadas. Você já viu alguma porra de fada usar sapatos?

- Não.

- E aí, você acha justo? Esse diabo de estereótipo surgiu graças àquele condenado do Victorio XIII, que ficou com dó de um escritor bêbado e vagabundo e lhe soprou essas histórias no ouvido. Ninguém nunca se deu o trabalho de ver se estas histórias eram verdadeiras. Acreditaram e reproduziram! Graças a vocês!

- Perae! Não existia jornalista nessa época!

- Mas existiam esses malditos poetas. Malditos poetas apaixonados!

- O que era a paixão naquela época?

- Era você torrar todas as suas esperanças na porcaria de um ideal. Não há um ser, que não seja o humano, que não se sensibiliza com a causa de um maluco apaixonado. Apaixonados, normalmente, perdem tudo até chegar no nada!

- Você conheceu muitas pessoas apaixonadas?

- Muitas. Elas são os seres mais insuportáveis desse mundo!


Chegamos numa casa assobradada e eu não fazia a menor ideia de onde estava. Sabia ser São Paulo, pois só percorremos bairros. Ele acionou o portão automático que deu acesso a uma garagem. Lá dentro, cerca de dez carros e uma vaga livre onde estacionei o meu.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

A INFÂNCIA UTÓPICA.... A INFÂNCIA DISTÓPICA... A INFÂNCIA RETORCIDA DE AIRTON SOUZA!!!

E se foi à infância, diz o poeta. A se afastar de mim, complementa. Mas ficaram o olhar distante e saudoso de todas as consequências e marcas por ela deixada. Ficaram a utopia e a distopia de uma fase da vida. Utopia, pois inevitavelmente lembramos das coisas boas de nosso passado, daquilo que era e não será mais. Lembramos até das tristezas com a positividade do amadurecimento, com a frivolidade do já saber o que é que deu. Festejamos os sucessos e buscamos encontrar lógica no bem que temos, com o bem que colhemos, embora sejam analogias muito mais metafísicas, talvez hermenêuticas, do que científicas.
E a distopia da infância merece um parágrafo próprio. Porque junto do pensamento positivo e utópico da infância que era e já foi, sabemos, no fundo, que a infância quando não vinda é uma agressão aos padrões camonianos. A infância, quando mal vinda, é um mar de antíteses, é o distanciamento do ideal perfeito que choca por ser real e possível. A infância, quando mal vivida, torna-se atópica pela violência de sua expressão. A infância, que existe, não é assumida no mundo como uma má-infância, mas como um pulo prematuro para a fase adulta. Ocultamos a criança mal-vivida. Ocultamos a criança mal-nascida. A preconcebemos adulta no ventre do pai barroco. No ventre do pai anti-renascentista, anti-classicista, que sem opções, agarra a opção que tem.
A criança que trabalha, cuida da casa, busca opções para sua sobrevivência devido à falta de assistência social, não deixa de ser criança, não deixa de pensar e agir como criança. A criança que corre e age como adulto, que se define adulto por cargo imposto, quando cresce, porque essa criança também cresce, não deixa de ser utópica, sonhar, buscar melhorias nas escolhas que tem disponível para si. E falemos dos sonhos, porque ser criança é sonhar... e foi a partir dessa antítese, infância utópica e infância distópica, que consegui aproveitar cada verso das poesias de Airton Souza, em Infância Retorcida. Muito mais que um livro íntimo e pessoal, a poesia cresce nas releituras de seu texto e da nossa vida e da vida dos nossos outros.

E se foi à infância
                               a se afastar de mim
sem olhar minha face
em fases, pedaços.

Rumou quebrando-me, retalhando
Memórias que ficaram,
Fincaram, na (re) invenção
De cheiros que não a deixa morrer.



AIRTON SOUZA publicou os seguintes livros: Incultações noturnas (2009), O cair das horas (2011), Habitação provisória (2012) e rua displicente (2012). Atualmente é professor na Escola Municipal Irmã Theodora, localizada no bairro Liberdade, em Marabá e Membro Perpétuo da ALSSP – Academia de Letras do Sul e Sudeste Parense, com sede em Marabá, sendo eleito por unanimidade para ocupar a cadeira nº 15, tendo como patrono o poeta paraense Max Martins. Pertence ainda a ALG – Academia de Letras de Goiás, como Acadêmico Correspondente – AlaF – Academia de Letras e Artes de Fortaleza, como Acadêmico Correspondente e Membro da organização chilena Poetas Del Mundo. O autor é também membro do CNPC – Conselho Nacional de Políticas Públicas Culturais, para o Livro, Leitura e Literatura, do MINC – Mininstério da Cultura.