sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A SOLIDÃO É MELHOR QUE AMAR...

ASSISTENCIALISMO

Trouxeram-me um café
E depois um pedaço de pão
Deixei tudo na mesa
Pois estava atrasado para trabalhar.

Horário de almoço
São mastigadas,
e até pra isso criaram jeito
e estabeleceram que
a cada vinte mastigadas uma garfada,
a cada trinta garfadas uma concessão.
E aí dei trinta e uma,
Fiquei sem uma hora de salário pelo atraso,
E pela esperteza de querer ser mais que os outros.

E o jantar um café com pão,
Café-com-pão-zando meu anoitecer,
E encerrando meu dia como um soneto
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- Ricardo Celestino

terça-feira, 28 de outubro de 2008

SOCIEDADE LIVRE

Sou livre para
beber,
fumar,
e me masturbar
até esporrar numa imagem sexual alimentada pela minha banda larga.

sou livre para
consumir,
gastar,
e me masturbar
pelo menos todo dia, uma vez por dia,
em horários flexíveis.

sou livre para tudo.
sou livre para o grito e o consumo,
pois afinal
eu me masturbo.

Ricardo Celestino

POETA, POETINHA...

A classificação de poeta e todo seu status de o ser supremo que consegue com a palavra atingir as mais divinas ânsias subjetivas da humanidade, o glorioso que, enfim, possui todo um talento nato que o faz se distinguir das pessoas comuns, o ser que está distante do que se tem por idéia A SOCIEDADE, aquele que observa tudo com uma certa distância e com isso tem a capacidade de criar e recriar, de brincar com as palavras e as pessoas, meus caros, não existe. Eu afirmo e reafirmo, não existe.
Refletindo sobre o conceito de poeta, cheguei a um impasse paradoxal: seria o poeta um Deus? Mas se divino e grandioso, por que a eterna esperança e o eterno pavor de Manuel Bandeira pela morte? Se fossem os poetas tão sabidos e donos de toda a razão, por que o suicídio de Sá Carneiro? E ainda, se fossem todos de atitudes tão sábias, qual a explicação das atitudes dos ex-tropicalientes?
Acontece que sempre houve uma grande dificuldade em se conceituar poeta e grandes poetas no tempo em que os observamos. Com isso, Manuel Bandeira dizia-se um poetinha, Vinícius de Moraes, orgulhando-se com sua produção poética, era desvalorizado pelo mundo acadêmico com a sua produção musical, mesmo afirmando e gritando que as músicas não passavam de poemas com ritmos instrumentalizados, Oswald de Andrade só teve seu valor com as escavações de Antonio Candido. E cá estamos, escrevendo e implorando por um espaço nos livros didáticos?
Não, provavelmente nenhum desses artistas gostariam de simplesmente serem lembrados em parágrafos de livros didáticos, principalmente transformarem-se em fonte de lucros familiares, vide Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade, ops, Carlos D. And., vai que me cobram algo pelo nome completo do rapaz. E de repente, os escritores tornam-se imortais donos de uma cadeira, de um número, de uma ostentação. E de repente nos deparamos com pessoas comuns, que caminham, comem e realizam as necessidades do dia-a-dia universalizados como deuses com poderes genéticos fantásticos, possibilitados e gabaritados a escreverem os mais divinos versos, com conhecimentos enciclopédicos apenas pelo fato de existirem, e você, eu, todos nós ali, com os versinhos embaixo do braço, nos comparando e dizendo: Poxa, que merda eu sou?
E chego a conclusão que ser poeta é convenção social. Eu não posso me dizer poeta, eu não posso fazer poesia. Enquanto houver a literatura e ao seu lado uma estante de literatura marginal, acho indigno o título de poeta. Indigno e elitista. Se temos um poeta, logo ao lado temos apenas o letrista, apenas o poetinha, ou apenas o poeta marginal. E reparamos que toda essa ostentação e todo esse academicismo que respeitamos dos antepassados literatos, hoje caveiras de corpo e materiais de presença na verdade servem também para nos amedrontar e travar nossos pulsos.
E daí proponho a utilização dos clássicos como inspiração. E daí bato na tecla já gasta de Machado de Assis, de Oswald de Andrade, de Oscar Wilde, de Bauldelaire e talvez até de Edgard Allan Poe. Mas quem sou eu para me igualar a eles? Quem somos? Eu vos digo quem somos... somos pessoas vivas e isso dói. Infelizmente dói e incomoda.

- Ricardo Celestino